Coluna reflete sobre legado, tecnologia e direitos da personalidade com impacto jurídico nacional
Em necessária continuidade à nossa última coluna que tratou da polêmica concessão de cidadania ao robô Sophia, a relação temática com a inteligência artificial e os direitos da personalidade precisam ser abordadas igualmente.
O termo presente no título “memento mori” advém de um ditado latino/romano, muito utilizado como conceito fundamental do pensamento Estoico, significa basicamente “lembre-se de que és mortal”. Pois bem, a premissa parte da noção de que lembrar da morte nos fará viver melhor, afinal a busca pela maioria das experiências humanas só ganha sentido diante da finitude humana.
Pois bem, a tal premissa estoica serviu por muito tempo para nos fazer pensar que a única forma de continuarmos vivos e presentes no mundo após morrermos seria deixar legados. Sejam esses legados afetivos ou através de obras concretas que são rememoradas pela sociedade ao longo do tempo.
Porém, o que mudaria nessa premissa se as pessoas pudessem falar conosco mesmo após a morte? Aqui não estamos falando de psicografia ou outros fenômenos espirituais, mas de algo mais concreto: a inteligência artificial. Sim, novamente ela.
Isso porque algumas empresas ao redor do mundo estão criando representações digitais de pessoas falecidas, utilizando uma IA para estudar a atividade da pessoa falecida nas redes sociais e criando uma espécie de cópia da personalidade pública da tal pessoa.
Recentemente a agência funerária Shanghai Fushouyun realizou seu primeiro funeral assistido por IA em janeiro de 2022. Na ocasião, colegas e alunos de um cirurgião tiveram a oportunidade de conversar com sua réplica digital em uma tela do falecido.
E não diferente disso, no Brasil a Volkswagen criou um comercial com a falecida Elis Regina e sua filha Maria Rita.
Tudo isso vem gerando intensos debates éticos e que permeiam não apenas a questão da cópia da personalidade de alguém falecido, mas também aquele conteúdo digital que outrora pertencia a alguém e como deve ser destinado após seu falecimento.
Do ponto de vista legislativo a primeira resposta ao imbróglio ético veio através do PL 3.592/2023, de iniciativa do senador Rodrigo Cunha do Podemos/AL, visa regulamentar o uso da imagem de pessoas falecidas, permitindo seu uso desde que cumprido um dos dois requisitos: (i) o consentimento prévio e expresso da pessoa em vida ou (ii) dos familiares mais próximos.
Mas apesar da proposta legislativa contemplar uma parte das demandas sociais, ainda resta completamente em aberto possível regulação para os conteúdos digitais de uma pessoa falecida, isto é, as conversas e dados de suas redes sociais, seus arquivos em nuvem, seus e-mails e assim por diante.
Na ausência contemporânea de regulação específica, os professores (GODINHO E HONORATO, 2018) concluem que há uma necessidade grande de que os “mecanismos sucessórios sejam utilizados para que os falecidos e familiares busquem uma concretização desta autorrealização e autodeterminação informativa e patrimonial” sobre seus bens e dados virtuais.
Fato é que hoje a utilização de IA para subverter a própria morte é uma questão que a ética ainda não foi capaz de responder e em meio a dúvida, o mercado continua e continuará explorando essa lacuna para fins lucrativos.
Pedro H. Guerra.