PEC da Blindagem amplia foro e exige aval do Congresso para julgar parlamentares e líderes partidários
Quando iniciei a pesquisa que fundamenta nossa coluna de hoje, pensei em justificar que continuaríamos distante de tratar dos temas literários, porém percebi que, na verdade, além de histórico o tema parece sim trazido de uma literatura, porém de uma literatura bem distópica, daquelas que o leitor pensa que só podem ser uma loucura do autor.
Bem, lamento dizer que não se trata de literatura distópica, mas de um projeto de Emenda à Constituição proposta e aprovada pelos nossos “nobres” deputados federais. Explicarei o texto distópico e seus principais impactos, bem como os paralelos históricos que demonstram a mais patente involução democrática.
Pois bem, a chamada “PEC da Blindagem” ou PEC 3/21, propõe alterações no texto dos artigos 53 e 102 da Constituição Federal, as principais alterações ampliam as proteções e prerrogativas legais aos parlamentares brasileiros, da Cãmara e do Senado Federal.
Entre as principais mudanças temos¹:
- Autorização prévia para abertura de processo criminal contra parlamentares – a PEC propõe que os parlamentares não podem ser processados criminalmente sem a autorização da Câmara ou do Senado. Logo, deverá ser decidido pela Casa, em até 90 dias a contar do recebimento da ordem emanada pelo Supremo Tribunal Federal, se mantém ou não o processo criminal. Detalhe: A votação acontece de forma secreta.
- Proteção contra prisões em flagrante – A proposta adiciona que no caso de flagrante de crime inafiançável, os parlamentares decidem em até 24 horas sobre a prisão e autorizam, ou não, a formação de culpa. Detalhe: A votação também é secreta.
- Limitação de medidas Cautelares – a nova emenda adiciona que os deputados e senadores em julgamento no STF somente serão alvos de medidas cautelares de natureza pessoal ou real provenientes do STF. Ou seja, só serão alvo de medidas cautelares expedidas pelo Supremo, e não por instâncias inferiores da Justiça brasileira.
- Ampliação do Foro privilegiado – A PEC amplia o foro privilegiado e passa a incluir também os presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso Nacional.
Na prática o que temos é os parlamentares não poderão ser responsabilizados por crimes, por delitos sem que os seus colegas e pares aprovem isto. Vamos imaginar um ótimo exemplo – imagine que um jogador de futebol cometa uma infração durante uma partida, o juiz da partida então levanta o cartão amarelo ou vermelho, porém os próprios colegas de time do jogador é que vão decidir se o juiz da partida pode ou não aplicar o cartão.
Sim, é exatamente isso que você leu, sem eufemismos ou exageros.
A história nos mostra que a blindagem dos poderosos nunca foi novidade. O que hoje chamamos de “PEC da Blindagem” ecoa antigos privilégios jurídicos que já serviram a elites em diferentes épocas e regimes.
Na Inglaterra medieval, o direito e as normas jurídicas mesmo nas poucas ocasiões em que considerou que todos poderiam ser julgados e teriam o direito para tal, tratou de garantir que as punições apenas seriam aplicadas após o julgamento pelos seus “iguais”. Ou seja, na prática os nobres continuaram se locupletando e se protegendo contra os demais.
Anos depois, também na Inglaterra Absolutista vigorava a doutrina constitucional do “The King can do no wrong”, o que significa “O Rei não pode errar” consolidava a irresponsabilidade jurídica da Coroa. O soberano não podia ser processado em tribunal comum, e sua conduta só era controlada pelo Parlamento, num arranjo que blindava o monarca de qualquer sanção criminal ou civil direta.
Na França do Antigo Regime, os privilégios jurídicos e fiscais da nobreza e do clero foram assegurados pelo sistema dos Estados Gerais, em que o Primeiro e o Segundo Estado estavam legalmente isentos de grande parte das obrigações comuns, por exemplo, os nobres estavam isentos do pagamento dos principais tributos existentes na época e autorizados a cobrar do Terceiro Estado, isto é, do povo.
Esses privilégios foram formalmente abolidos apenas com os Decretos de Agosto de 1789, no início da Revolução Francesa, quando a Assembleia Nacional Constituinte proclamou a igualdade de todos perante a lei.
No Brasil, temos exemplos recentes. O Ato Institucional nº 5 blindava os agentes do regime, estabelecendo que os atos praticados com base nele eram “excluídos de apreciação judicial” (art. 11). Mais tarde, a Emenda Constitucional nº 1/1969 consolidou esse manto de impunidade, ampliando a irresponsabilidade de autoridades militares e ligadas à ditadura.
Em todas essas experiências históricas e normativas, a lógica se repete: cria-se uma elite que não se submete à lei comum, cujos julgamentos dependem da anuência dos próprios pares. A chamada PEC da Blindagem (PEC 3/2021), ao exigir autorização da própria Casa Legislativa para o processamento e prisão de parlamentares e presidentes de partidos,
insere-se nessa mesma tradição de involução democrática, resgatando séculos de práticas que a modernidade buscou superar.
Se no passado distante de 1789 a Revolução Francesa rompeu os privilégios dos nobres, parece que o Congresso brasileiro retornou ao antigo regime de séculos atrás e tratou de garantir largos privilégios aos parlamentares.
Penso que o nosso Congresso resolveu ler George Orwell e entoar o refrão contrário: “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.
21 de setembro de 2025
Pedro H. Guerra
Referências:
¹https://www.jota.info/legislativo/o-que-muda-com-a-pec-da-blindagem-entenda-o-texto-que-amplia- protecoes-a-parlamentares
(Imagem de Capa: reprodução Agência Câmara | Vinicius Loures)