Negativa da Assembleia da Paraíba em 1998 gerou condenação do Brasil por violar direitos humanos

A Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) voltou ao centro do debate jurídico e político nacional ao ser lembrada como responsável por um dos episódios mais graves de obstrução judicial já registrados no país. Em nome da imunidade parlamentar, a ALPB negou por duas vezes, entre 1998 e 2000, o pedido do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) para abrir ação penal contra o então deputado estadual Aércio Pereira de Lima, acusado pelo feminicídio da jovem Márcia Barbosa de Souza.

Márcia, de 20 anos, foi encontrada morta em um matagal em João Pessoa. A autópsia indicou asfixia por sufocamento precedida por espancamento. Mesmo diante das evidências, o processo só teve início em 2003, quando o deputado já não exercia mandato. Ele foi condenado a 16 anos de prisão, mas morreu em 2008 sem cumprir pena, vítima de infarto, com recurso ainda pendente.

O caso foi levado por movimentos sociais ao sistema interamericano de direitos humanos, resultando na condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana em 2021. A corte considerou que a imunidade parlamentar aplicada pela ALPB violou o direito de acesso à Justiça e o dever do Estado de adotar medidas internas para garantir os direitos pactuados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O resgate do caso foi feito durante entrevista concedica à Folha, pela jurista Flavia Piovesan, ex-secretária de Direitos Humanos e ex-vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, como exemplo dos riscos que a PEC representava.

“Ilícito internacional”, diz Piovesan

A PEC da Blindagem buscava restabelecer a exigência de autorização prévia do Legislativo para que parlamentares fossem processados criminalmente — exatamente o mecanismo que impediu a responsabilização de Aércio Pereira de Lima por anos. Para Piovesan, a proposta representava um “ilícito internacional”.

“Ela ressuscita um modelo anterior piorado, porque prevê ainda a votação secreta. Não só viola a Constituição Federal, como é inconvencional, porque afronta a Convenção Americana”, afirmou a jurista, que também atua como coordenadora científica da Unidade de Monitoramento do CNJ.

Ela destacou que o Brasil, como signatário da Convenção, tem o dever de harmonizar sua legislação interna com os parâmetros mínimos de proteção judicial. “Se o Estado estiver além deles, melhor. Não pode estar aquém, como ocorreu aqui [no caso de Márcia]”, alertou.

Rejeição no Senado encerra risco jurídico

A rejeição unânime da PEC pela CCJ e seu arquivamento imediato pelo presidente do Senado foram celebrados por parlamentares e juristas como uma vitória institucional. A decisão evita o retorno de um modelo que, segundo especialistas, comprometeria o acesso à Justiça, a separação dos poderes e a transparência democrática.

“O voto secreto é uma aberração e significa um retrocesso inadmissível. É inaceitável no campo jurídico, no campo moral e no campo político”, reforçou Piovesan.
O caso Márcia Barbosa permanece como símbolo da luta por justiça e transparência, e a Paraíba, como palco de um precedente que ainda ecoa nas decisões legislativas atuais. A lembrança do papel da ALPB nesse episódio foi decisiva para o debate público que culminou no arquivamento da PEC. (Texto: redação Click100 / Fonte: Folha / Imagem de Capa: arquivo Secom ALPB)

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