Decisão que atribuiu intolerância à vítima será avaliada por instâncias superiores e órgãos de controle

O juiz Adhemar Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa, será analisado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) após decisão que negou indenização por racismo religioso a uma mãe de santo e atribuiu a ela a intolerância no caso. A sentença provocou reação do Ministério Público da Paraíba (MPPB) e de entidades religiosas, que apontam desrespeito ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial e falha na proteção à liberdade de culto.

O caso envolve a sacerdotisa Lúcia de Fátima Batista, que processou um motorista de aplicativo por cancelar uma corrida após saber que ela sairia de um terreiro de candomblé. A mensagem enviada pelo motorista dizia: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”. A corrida foi cancelada em seguida.

Na sentença, o juiz afirmou que a intolerância partiu da autora, por considerar ofensiva a expressão cristã. “A autora, ao afirmar considerar ofensiva a frase ‘Sangue de Cristo tem poder’, denota que a intolerância religiosa vem dela própria”, escreveu o magistrado.

A decisão gerou comoção. Em nota, Lúcia de Fátima declarou estar “abalada e consternada”, afirmando que a sentença causou “impacto emocional profundo” e reverberou na dor dos Povos de Terreiro. O advogado da autora, João do Vale, afirmou que a sentença “extrapolou os limites do debate processual” e representa “violência institucional”.

Ações do Ministério Público e apuração no CNJ

A promotora Fabiana Lobo, do MPPB, abriu procedimento e encaminhou o caso à corregedoria do CNJ, solicitando análise da conduta do juiz e possível desrespeito ao protocolo racial. Também foram enviados ofícios à Delegacia de Repressão aos Crimes Étnico-Raciais e ao Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula, para levantamento de casos semelhantes.

“A sentença não é apenas um erro jurídico, mas uma manifestação de intolerância religiosa institucionalizada”, afirmou o Instituto Omidewá, que provocou a apuração.

O CNJ informou que, até o momento, não há procedimento formal em tramitação. A Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba também foi acionada, mas não respondeu à reportagem.

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Posicionamento do juiz

Em nota ao Jornal da Paraíba, o juiz Adhemar Ferreira Neto afirmou que sua conduta é pautada pela “estrita observância às leis vigentes, à Lei Orgânica da Magistratura e ao Código de Ética da Magistratura Nacional”. Ele disse que não pode opinar sobre processos não transitados em julgado nem sobre atividades externas relativas ao caso.

Possibilidade de precedente

O caso reacende o debate sobre o reconhecimento das religiões de matriz africana no sistema de justiça e a aplicação efetiva de protocolos que garantam julgamento com perspectiva racial. A eventual responsabilização do magistrado poderá estabelecer precedentes sobre como o Judiciário deve lidar com casos de intolerância religiosa e discriminação estrutural. (Texto: redação Click100 / Imagem de capa: reprodução Ascom CNJ)

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