A história, essa senhora caprichosa, às vezes escreve com tinta de ironia e pena de contradição. Percorrer a orla de Tambaú ou o casario do Centro Histórico é, ao mesmo tempo, mergulhar nas belezas de João Pessoa e no silêncio de um nome que falta. Sim, a cidade se chama João Pessoa – e não Epitácio. E isso, convenhamos, é um enigma que desafia a memória e o senso de justiça histórica.
Vale salientar que sou um entusiasta dos nomes de cidades que venham a partir de sua fauna, flora, rios, figuras históricas que representem verdadeiramente o viés daquele povo, daquela região. Dessa forma deixo claro que não torço por uma mudança de nome que seja substituída por outro político, pois tenho convicção que temos uma vasta lista de nomes naturais mais identificados e conectados com nossa geografia, nossas aves, nossos rios, nossa flora, além é claro de tantos outros nomes de homens e mulheres merecedores de tal homenagem.
João Pessoa, o homem, foi governador da Paraíba por dois anos. Seu governo, embora tenha deixado marcas, foi pautado por medidas de confronto, perseguições políticas, censuras e uma postura autoritária que dividiu profundamente a sociedade paraibana. Seu assassinato em 1930, é claro, foi o estopim simbólico de uma revolução (ou seria golpe?), mas revoluções, como sabemos, também se alimentam de mitos cuidadosamente moldados. Morreu e virou mártir. Mártir de quê, exatamente? Talvez da conveniência política.
E então, a cidade – que antes se chamava Parahyba – teve seu nome trocado, num ato que parecia mais propaganda do que homenagem. Como se o assassinato prematuro do sobrinho lavasse todos os pecados do governador. Como se a Paraíba precisasse esquecer seus traumas renomeando sua capital com a aura falsa de um herói trágico. Mas e o tio?
Epitácio Pessoa, esse sim, foi um gigante. Presidente da República, jurista respeitado, representante do Brasil em Versailles, pacificador em tempos de conflito mundial, defensor da Paraíba em todos os palcos. Foi ele quem levou água ao Sertão, quem elevou a autoestima de um povo que se via sempre às margens. Não foi apenas um político: foi um estadista. Foi um homem que amava a Paraíba não com slogans, mas com obras e gestos.
E, ironicamente, ficou com o nome de uma avenida. Sim, uma avenida – bonita, movimentada, mas ainda assim um fio de asfalto para quem pavimentou o caminho da Paraíba no cenário nacional e internacional.
Então se é para escolher um político como nome da cidade, o que sou contra como já disse antes, por que a cidade não se chama Epitácio? Por que a gratidão coletiva é, às vezes, míope? Ou será que é covarde? Talvez seja porque João morreu cedo, e os que morrem cedo são mais fáceis de esculpir em bronze. Talvez porque sua morte interessava a uma narrativa maior, uma revolução (golpe), um novo regime.
Mas a história real é mais teimosa que a oficial. Ela permanece nos becos, nas esquinas, nas lembranças de um povo que sabe – mesmo que em silêncio – quem realmente lhe foi leal. E talvez, um dia, quando a cidade quiser olhar para o espelho com mais verdade, reveja sua homenagem. Talvez seja hora de pensar se a capital da Paraíba carrega o nome certo ou apenas o nome mais conveniente.
Porque nomes têm peso. E esse, o da cidade, ainda soa estranho no ouvido de quem conhece a história completa.
Por que não Epitácio?
(Imagem: reprodução arquivo Secom PMJP)
Parahyba, 04 de junho de 2025
Henrique Maroja