A paulista Ruth Cardoso foi primeira-dama do Brasil entre os anos de 1995 e 2003, durante o governo do marido, Fernando Henrique Cardoso. Ela foi antropóloga, professora universitária e ativista social.
Lembro que dona Ruth, era sempre lembrada como sinônimo de intelectualidade, educação e postura refinada. Uma mulher elegante que mantinha uma preocupação legítima com a desigualdade social e dificuldades financeiras enfrentadas por grande parte da população brasileira.
Dona Ruth era defensora ferrenha da inclusão social e do fortalecimento da sociedade civil e, para tanto, fez o que lhe era possível para ajudar a população mais carente. Ela criou um programa social chamado ‘Comunidade Solidária’ que, em breves palavras, posso dizer que funcionava como suporte para capacitar comunidades e oferecer oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade através de ações diversas como: alfabetização solidária em regiões carentes; universidade solidária para jovens do interior do país; capacitação solidária através de cursos de qualificação profissional para jovens em situação de risco; artesanato solidário para valorização do trabalho manual para geração de renda; e, também, através de uma iniciativa chamada comunidade ativa, através da qual a descentralização de ações governamentais estimulava o desenvolvimento econômico local.
Era assim. Dona Ruth defendia a tese do “socorro temporário”, do “ensinar a pescar”, da capacitação. E não da esmola eleitoreira.
Abordo esse tema porque toda vez que ouço falar em ‘Bolsa Família’ me surpreendo ao lembrar que o Congresso Nacional aprovou o projeto do Orçamento de 2025 (PLN 26/24), ainda no mês de março de 2025 dedicando ao setor da Assistência Social muito mais recursos do que ao da Educação e até ao da Saúde.
De acordo com informações da Agência Câmara de Notícias, o orçamento final liberou um montante de R$ 282,9 bilhões para Assistência Social, enquanto que a Educação ficou com R$ 175,40 bilhões, a Saúde com R$ 234,4 bilhões e até a reserva de contingência ficou com R$ 89,9 bilhões.
Sabe quanto ficou para o Bolsa Família? Um total de R$ 160 bilhões.
Eu digo, lamento, mas repito: tenho certeza que dona Ruth revira no túmulo ao ver no que se transformou a iniciativa dela.
Sim, porque, no papel é muito bonita a ideia de distribuir dinheiro para os desvalidos, os mais necessitados, os que estão, realmente, em situação de vulnerabilidade. Mas aqui, no mundo real, a gente vê o quanto tem gente que usa o Bolsa Família para apostar no jogo do Tigrinho, para pagar a cachaça do fim de semana ou mesmo para comprar as famosas “bRusinhas” pela internet.
Aqui no mundo real, a gente vê que o assistencialismo leva uma das maiores fatias do orçamento público porque foi transformada numa iniciativa eleitoreira eficaz e de sucesso.
Só que isso tem um preço. E bate no bolso de todo mundo, principalmente, no de quem faz parte da classe média. Sim, porque o pobre não tem muito para dar e do rico ninguém toma. Então, a turma do meio fica pagando isso ou aquilo até o momento em que puder pagar. E como é que paga? Com reajuste salarial parco, aumento desenfreado em itens da cesta básica e… por aí vai…
A dívida pública está crescendo, mas a paixão cega por políticos ou legendas partidárias impede até gente bacana de ver o que está acontecendo e enxergar o horizonte com mais cautela, principalmente, em tempos em que já somos convidados a analisarmos os nossos próximos votos eleitorais.
Em tempo, vale a pena dizer que não sou contra a ideia de ajuda. De socorro. Mas me dói ver o que vejo aqui na vida real e, no fundo, no fundo… eu sei que você, por mais apaixonado(a) que seja por político ou partido ou federação que ainda nem existe oficialmente… concorda comigo e sabe que há solução para isso. E nem é preciso encerrar os programas assistenciais… basta uma fiscalização séria. Uma triagem bem feita. Só não há interesse em colocá-la em prática porque não rende votos.
Para você que ainda é resistente ao enxergar o óbvio deixo, logo abaixo, a tabela das despesas previstas para o Orçamento de 2025 conforme Projeto da Lei Orçamentária Anual aprovado por deputados e senadores no mês de março. E ainda deixo o link da matéria completa publicada pela Agência Câmara de Notícias. Clique aqui.
Para dona Ruth… deixo meu respeito e minhas orações.
Despesas previstas no Orçamento de 2025 por função (R$ bilhões)
Projeto | Relatório final | |
Legislativa | 11,7 | 11,7 |
Judiciária | 50,1 | 50,1 |
Essencial à Justiça | 10,4 | 10,4 |
Administração | 33,9 | 33,8 |
Defesa | 96,1 | 95,9 |
Segurança pública | 16,7 | 17,3 |
Relações exteriores | 4,7 | 4,6 |
Assistência social | 285,8 | 282,9 |
Previdência social | 1.078,20 | 1.086,50 |
Educação | 177,50 | 175,40 |
Saúde | 209,9 | 234,4 |
Trabalho | 120,7 | 121,9 |
Cultura | 2,6 | 2,9 |
Direitos da cidadania | 2,8 | 2,9 |
Urbanismo | 2,8 | 9,3 |
Habitação | 0,8 | 0,7 |
Saneamento | 1,9 | 1,7 |
Gestão ambiental | 26,6 | 29,1 |
Ciência e tecnologia | 25,3 | 22,3 |
Agricultura | 31,6 | 34,3 |
Organização agrária | 4,2 | 4,6 |
Indústria | 2,4 | 2,4 |
Comércio e serviços | 4,7 | 5,9 |
Comunicações | 3,3 | 3,4 |
Energia | 1,2 | 1,2 |
Transporte | 18,2 | 17,4 |
Desporto e lazer | 0,4 | 2,8 |
Dívida pública | 3.344,40 | 3.355,60 |
Reserva de contingência | 130,5 | 89,9 |
Fonte: Relatório final do projeto de lei orçamentária
(Imagem de capa: Freepik)