Decisão judicial autoriza construção que ameaça o horizonte e a identidade da capital
A Vida Começa às 5h: Correndo com o Sol na Orla da Parahyba
Na cidade onde o sol nasce primeiro, correr antes das 6h é mais que rotina — é filosofia de vida
O Superpoder do Esporte
Há quem diga que os superpoderes pertencem apenas aos heróis dos quadrinhos. Mas…
O privilégio de ter convivido com Severino Maroja: Um legado vivo em mim
Há experiências na vida que não se apagam com o tempo. Pelo contrário, ganham ainda mais força, cor e significado à medida que os anos passam. É exatamente isso que sinto quando penso no privilégio de ter convivido com Severino Maroja — homem público, líder político, empreendedor nato, coração generoso, e, acima de tudo, um ser humano raro. Comecei a trabalhar com ele aos 18 anos. Ainda estudante de Direito, cursando a turma da noite, iniciei minha trajetória no gabinete do então prefeito de Santa Rita. Era o início de uma jornada que me transformaria não apenas como profissional, mas, principalmente, como ser humano. Mais do que um chefe, Maroja foi um mestre silencioso, daqueles que ensinam mais com atitudes do que com palavras. Conviver diariamente com Severino Maroja foi presenciar um estilo de fazer política calcado no bem comum. Santa Rita nunca foi, para ele, apenas uma cidade a ser administrada. Era sua casa, sua gente, sua missão de vida. A cada decisão tomada, a cada gesto simples no meio do expediente, ele deixava claro: governar é servir, e servir é amar. Vi isso acontecer inúmeras vezes. Testemunhei reuniões em que, com uma habilidade impressionante, ele conseguia tomar decisões difíceis com serenidade e firmeza. Era como se tivesse uma bússola moral que apontava sempre para o melhor caminho, mesmo nos cenários mais nebulosos. A lucidez de suas escolhas, aliada a uma coragem serena, me fez compreender que liderar de verdade é unir competência e coração. Maroja enxergava as pessoas com os olhos da alma. Para ele, ninguém era “mais” ou “menos”: todos tinham um lugar, um valor inegociável. Em seu trato, não havia hierarquia, não havia muros — havia pontes. Sua sensibilidade era tamanha que conseguia perceber, com poucos minutos de conversa, as dores, as alegrias e os sonhos do outro. E isso fazia dele não apenas um gestor admirado, mas um amigo eterno para muitos. Era incapaz de uma grosseria. Sua riqueza verdadeira nunca foi seu patrimônio material — embora fosse um agricultor, empresário e industrial de sucesso — mas o seu patrimônio humano: os vínculos sinceros que construiu ao longo da vida, sobretudo com os filhos e filhas de Santa Rita. Ele fazia cada pessoa se sentir especial. E isso não é força de expressão. Quem conviveu com Maroja sabe: ele tinha o dom de fazer o outro se sentir visto, escutado, respeitado. Em sua humildade, havia grandeza. Maroja tinha uma fé inabalável nas pessoas, acreditava que cada um poderia contribuir para um mundo melhor. E é curioso como essa convivência, que foi tão intensa e cotidiana, se revela cada vez mais preciosa agora, cinco anos após sua partida. À medida que o tempo passa, percebo com mais clareza a sorte que tive. A bênção que foi aprender com ele não só a gestão pública, mas a arte de viver bem, com ética, amor e simplicidade. Num mundo em que tanta gente se perde em busca de status, poder e acúmulos materiais, ele nos lembrava — com sua vida — que o essencial é invisível aos olhos. Que o verdadeiro tesouro está nas relações humanas, no afeto cultivado, no respeito mútuo, na capacidade de ajudar o outro sem esperar nada em troca. Hoje, carrego comigo não apenas as lembranças, mas os valores que aprendi. A ética nas relações, o compromisso com a população, a leveza no trato, a coragem nas decisões, e, sobretudo, o olhar humano e generoso. Santa Rita teve — e terá para sempre — em Severino Maroja uma referência. Eu tive — e tenho — o privilégio de tê-lo como uma das principais referências de vida. A convivência com ele moldou quem sou, e isso é algo que nenhum tempo, nenhuma ausência, poderá apagar. A memória de Maroja não está apenas nas ruas, nas obras, nos feitos — mas no coração de cada pessoa que aprendeu, como eu, que viver vale a pena quando se vive com verdade, humildade e entrega. Severino Maroja, muito mais do que o maior expoente político da história de Santa Rita, foi — e continuará sendo — um farol aceso para todos nós que acreditamos que a vida é, antes de tudo, um ato de amor e coragem. Santa Rita, 02 de julho de 2025 Henrique Maroja
O Legado Silencioso de José Luís Maroja: O Homem que Protegeu o Horizonte da capital paraibana
Por trás das paisagens preservadas da orla de João Pessoa, existe uma assinatura decisiva para o que a capital paraibana é hoje: a de José Luís Maroja, médico, professor da UFPB e ex-deputado estadual da Paraíba, que exerceu mandato entre os anos de 1986 e 1990. Discreto no estilo e firme nas convicções, Maroja foi o autor da emblemática Lei dos Espigões, uma legislação que até hoje impede a construção de edifícios com mais de três andares na orla marítima da capital. Na época, muitos consideraram sua proposta como uma medida excêntrica ou até um entrave ao progresso. Afinal, o Brasil vivia o ímpeto da redemocratização e da abertura econômica, com o urbanismo sendo guiado por interesses de mercado e expansão verticalizada. João Pessoa, ainda modesta, via a orla como fronteira promissora para o crescimento imobiliário. Mas Maroja enxergava mais longe.Ele compreendia que havia um valor intangível naquela paisagem — a relação do povo com o mar, o acesso à luz solar, à ventilação natural e, acima de tudo, à beleza da linha do horizonte. Para ele, preservar a orla não era travar o desenvolvimento, mas defender um modelo de cidade mais humana, equilibrada e acessível. A Lei dos Espigões — assim conhecida popularmente — limitou a altura de edificações à beira-mar a até três pavimentos. À época, foi duramente criticada por parte do setor da construção civil, que via ali a perda de milhões em potenciais investimentos. Mas, com o passar do tempo, a decisão legislativa passou a ser celebrada como uma medida visionária. José Luís Maroja, ao articular a chamada “Lei dos Espigões”, fincou na legislação paraibana um marco de tutela ambiental e urbanística. Sua atuação reforçou que o desenvolvimento sustentável, mesmo em áreas turísticas, deve prevalecer sobre a construção desenfreada. Quase quatro décadas depois, sua emenda continua servindo de referência para proteger a orla contra pressões imobiliárias. Mesmo sendo eventualmente questionada ou desrespeitada, a base jurídica levantada por Maroja dá suporte às ações do MP, do governo estadual e de movimentos civis em defesa da paisagem costeira. Seu nome segue vinculado a essa legislação de restrição urbana que, para muitos, é patrimônio visível da orla pessoense. A história de Maroja e sua lei é exemplo de como decisões tomadas em momentos constituintes refletem décadas depois, preservando recursos naturais, regulando crescimento urbano e mantêm relevante papel no presente contexto político e ambiental da Paraíba. Hoje, João Pessoa é uma das poucas capitais brasileiras com uma orla limpa, onde o mar pode ser visto e sentido desde a calçada. Em um país marcado pela verticalização desordenada e pela privatização dos espaços públicos, a orla pessoense é um símbolo de urbanismo inteligente e respeito coletivo ao espaço urbano. José Luís Maroja, que não teve uma carreira política longa nem viveu o estrelato dos caciques políticos paraibanos, deixou uma marca mais perene do que muitos daqueles que fizeram barulho. Seu legado é silencioso, mas está estampado em cada nascer do sol livre de sombras predatórias, em cada brisa que corre sem barreiras pelas avenidas da beira-mar. Passadas mais de três décadas, o debate sobre a revisão ou manutenção da Lei dos Espigões volta e meia retorna ao centro das discussões urbanísticas da cidade. E, curiosamente, é quando se fala em derrubá-la que mais se reconhece sua importância. Maroja foi, talvez, o que se pode chamar de um político que plantou árvores para dar sombra a gerações futuras — mesmo que ele próprio nunca tivesse descansado sob elas. Em tempos de vaidade e populismo, seu gesto técnico, silencioso e obstinado nos relembra o que de melhor a política pode produzir: decisões que moldam o bem comum, mesmo quando impopulares, mesmo quando incompreendidas. João Pessoa agradece. E deve continuar protegendo esse horizonte que José Luís Maroja teve a coragem de preservar.Como sobrinho e admirador do ser humano solidário e sereno que sempre foi, deixo aqui esse registro importante de seu legado enquanto político e da importância dessa lei que, a meu ver, é a pedra fundamental para o início dessa cidade com selo verde e extrema qualidade de vida que vivemos até os dias atuais. Obrigado, José Luís Maroja! Parahyba, 07 de junho de 2025 – Henrique Maroja Henrique Maroja
Crônica – O Nome da Capital
A história, essa senhora caprichosa, às vezes escreve com tinta de ironia e pena de contradição
Crônica – O Silêncio que Late ou Chora em Plástico
Outro dia, parado numa sala de espera, observei uma senhora ninando um bebê com toda a doçura que só o amor maternal proporciona. A princípio, me comovi. Depois, com um leve balançar do plástico refletindo a luz fluorescente, percebi: não era um bebê. Era um “reborn” — um boneco hiper-realista que emula com perfeição a fragilidade de um recém-nascido. Fraldas, mamadeira, manta bordada com o nome fictício da criança. E, pasmem, a senhora esperava uma consulta médica para ele. Sim, médica. Para o boneco. Antes que se ria com deboche, é preciso respirar fundo e olhar ao redor. Porque essa senhora não está só. Os humanos estão cada vez mais humanos apenas na aparência. Do lado de dentro, têm se esvaziado de vínculos reais, de convivência, de atrito — de tudo aquilo que torna o ser humano suportável e, paradoxalmente, insuportável. E nesse vácuo, vai se instalando o conforto silencioso dos pets e bonecos. São seres — ou objetos — que não discordam, não julgam, não gritam, não abandonam. São companhia que não confronta. Amor sem espelhos. Os pets, esses já dominam os espaços há mais tempo. Hoje, muitos dividem não só o sofá, mas o travesseiro. Entraram na cama do casal como quem não quer nada, e agora roncam entre dois humanos afastados por uma muralha de pelos e silêncio. Muitos casais já dialogam mais com seus cachorros do que entre si. “Amor, ele já comeu? Será que ele tá com frio?” — enquanto a relação esfria como um resto de café esquecido. E os filhos reais? Aqueles de carne, osso e boletins escolares? Muitas vezes ficam relegados ao segundo plano enquanto o pet tem plano de saúde, acupuntura, dieta sem glúten. O cachorro late, e a mãe corre. O filho chora, e a mãe pede silêncio. A prioridade emocional migrou. A fragilidade transferiu-se de lugar. O que é mais fácil de cuidar passou a valer mais. Há uma fuga declarada de tudo que pode causar conflito. Melhor um cachorro no colo do que uma conversa franca com um filho. Melhor um gato no peito do que a tentativa frustrante de um novo relacionamento. Melhor um reborn de plástico do que um neto real que pode crescer, errar, falar palavrão, virar adolescente. Assusta menos. Dói menos. Mas também vive menos. Temos preferido substituir a convivência com seus impasses por bonecos que não têm vontades, opiniões, crises existenciais ou birras. A vida foi perdendo gente e ganhando simulacros. É uma espécie de apagão emocional voluntário — uma renúncia à dor que também nos impede de sentir o prazer autêntico da conexão com o outro. Até quando? Não sei. Mas o dia em que alguém conseguir mesmo declarar um reborn no imposto de renda como dependente, talvez alguém também devesse declarar a própria dependência de uma solidão disfarçada de afeto. A humanidade está se protegendo do humano como se fosse um vírus. E, no fim das contas, quem sobra somos nós — cada vez mais cercados de presenças que não respiram, não discordam, não abraçam de verdade. Apenas simulam. E a simulação tem sido suficiente, triste e convenientemente. Até que o coração — de carne — comece a cobrar a conta. João Pessoa, 15 de maio de 2025 (Imagem de freepic.diller no Freepik)
Crônica – A Geração do Depois
A palavra do nosso tempo não é mais “sim”, nem “não”. É depois. Ela escorre da boca como se fosse resposta universal para tudo que exija esforço, concentração ou uma dose mínima de disciplina. Ler um livro? Depois. Fazer um curso? Depois. Escrever aquele projeto, estudar aquela matéria, organizar as finanças, começar a terapia, aprender a cozinhar, entender como o mundo funciona? Depois. E o “depois” de hoje, sabemos, é só o nome educado do nunca. Vivemos numa cultura molenga, amortecida, onde o mínimo já parece muito, e qualquer coisa fora da bolha do prazer instantâneo é descartada com desinteresse. Há uma indiferença escancarada diante do que é importante, uma apatia disfarçada de leveza. “Ah, deixa fluir”, dizem. Mas o que flui mesmo é o tempo – e ele não volta. O problema não é a falta de talento, nem de oportunidade. É a falta de tesão em crescer. A geração atual – tão criativa, tão conectada, tão cheia de potencial – parece ter se tornado refém de uma preguiça existencial. Não a preguiça gostosa de um domingo à tarde, mas aquela que paralisa. Que neutraliza. Que embrulha qualquer possibilidade de conquista dentro do papel de presente do depois. Disciplina virou palavrão. Dedicação, sinônimo de careta. Concentração, uma ofensa à dopamina. E qualquer convite à melhoria pessoal soa como um esforço desnecessário diante da promessa colorida de um vídeo de 15 segundos que dança, ri e “entretém”. Como competir com isso? É como se o mundo real – aquele onde o sucesso demora, onde a aprendizagem exige tempo, onde o crescimento dói – tivesse perdido o charme. E em seu lugar, cresceu um mundo artificial onde tudo é rápido, fácil, bonitinho e sem consequência. Um lugar onde o fracasso não existe, onde não se sua, não se insiste, não se aprofunda. E ainda assim, todos seguem cansados. Cansados sem ter feito. Frustrados sem ter tentado. Perdidos sem terem saído do lugar. Porque mesmo que o corpo esteja imóvel, a mente cobra. Cobra o tempo desperdiçado, cobra a promessa não cumprida, cobra a vida não vivida com mais coragem. A verdade é que o “depois” está matando a potência de uma geração brilhante. Gente boa, cheia de ideias, de sonhos – mas que espera o algoritmo decidir a próxima ação. Espera um sinal do céu ou um áudio motivacional pra começar qualquer coisa. Espera “a vontade bater”. Como se a vontade batesse à porta, fizesse check-in e dissesse: “Pronto, agora vai!”. Mas não vai. Nunca vai. Porque crescer dá trabalho. Porque ninguém aprende nada importante sem ralar. E porque tudo o que vale a pena exige começar antes, não depois. A geração do depois ainda pode virar a geração do agora. Mas vai ter que brigar com o próprio comodismo, com a sedução do sofá, com o vício da distração e com essa ideia insidiosa de que viver é só consumir, e não construir. O tempo está passando. O mundo continua girando. E a pergunta fica: você vai deixar pra depois mais uma vez? João Pessoa, 05 de maio de 2025 (Imagem de 8photo no Freepik)
O verdadeiro jacaré dos anos 90 e início de 2000
Nos anos 90 e início dos 2000, a Praia do Jacaré não era apenas palco do mais famoso pôr do sol da Paraíba – era o refúgio secreto da juventude. A partir de quinta-feira à noite, a vila ribeirinha se transformava num roteiro mágico. O calor do fim de tarde dava lugar a uma brisa salgada e misteriosa, anunciando uma sequência de festas que marcariam gerações. Cada dia tinha nome, clima e música próprios; juntos, formavam um calendário afetivo que só fazia sentido completo na memória de quem viveu aquela época. Às quintas-feiras, entrávamos na atmosfera do Caleidoscópio. Partíamos de João Pessoa ao anoitecer, cruzando uma estrada de barro estreita onde nada se via além dos faróis. Com cada quilômetro, crescia a sensação de estarmos a caminho de algo proibido: o píer de madeira ficava longe, quase secreto, tornando tudo ainda mais emocionante. Ao chegar ao nosso “ponto de encontro”, éramos recebidos por lanternas tremeluzindo entre coqueiros e pelo grave profundo de um som de alta qualidade. O Caleidoscópio era um esconderijo adulto: luzes coloridas dançavam na noite enquanto batidas eletrônicas invadiam a mata, fazendo-nos acreditar que havíamos entrado noutro universo. Quando a sexta-feira chegava, trocávamos o clima de segredo pelo ar festivo da Aldeia do Rio. Esse píer, mais próximo e iluminado pelo luar, era amplo o suficiente para reunir tribos diferentes e várias gerações. Lá, patricinhas desfilavam com saltos altos, outras tribos eram mais pé no chão com suas sandálias havaianas, roqueiros pulavam de calça jeans rasgada, nós que éramos mais praianos de bermuda e tênis, e até turistas de férias descobriam aquela festa antes mesmo das hashtags existirem. A trilha sonora abria com bandas de pop e rock no começo da noite, e depois DJs locais mantinham a animação; tudo isso sob o céu aberto, com o luar refletido no rio. A Aldeia do Rio encarnava o espírito do “sextou” muito antes da palavra existir – uma euforia coletiva em que cada brinde anunciava a glória do fim de semana. No sábado, o Solar das Águas abria suas portas cedo, já ao entardecer, no primeiro píer de fácil acesso. Ali, o som era de pagode, samba e forró, tocando sem interrupção sob o próprio céu. Não havia paredes, apenas o firme brilho das estrelas para nos cobrir enquanto a brisa do mangue refrescava nossos corpos. Jovens de camisas floridas rodopiavam na pista improvisada, carregando copos de cerveja gelada, caipirinhas, uisque e a tradicional cachaça bebida em viradas de copo americano dividido entre amigos. O Solar das Águas tinha o calor de uma grande roda de amigos: reunia a juventude dourada de João Pessoa e os turistas curiosos, compartilhando sorrisos sob o luar até altas horas. Mas o ápice do fim de semana sempre acontecia no domingo, com o lendário Rock no Rio. Durante o dia, a praia fervilhava de jovens nos lendários bares Peixe elétrico, pote de barro, convívio mar num ritual sagrado do domingo na capital paraibana daquela época, á espera que viria à noite. Da praia partíamos para a casa de um amigo (sempre havia uma casa disponível) para dar o pontapé inicial daquela que era a melhor e mais esperada balada da semana toda. Entre risos e planos para a semana que viria, sabíamos que aquele era nosso ritual de despedida do fim de semana. Quando o sol começava a cair, partíamos em massa para o píer do Rock. No cais de madeira, a cena era de cinema: a juventude mais bonita e livre da capital, de mãos dadas com turistas de outros cantos. As bandas locais – Os Impossíveis, Área 51, Hangar 18 e várias outras – assumiam o palco com riffs rasgados e letras sobre estrada, amor e rebeldia. Cantávamos juntos, sentindo uma onda de liberdade coletiva, como se fôssemos donos do mundo, antes mesmo de o resto do planeta notar que Jacaré tinha seu próprio som. Hoje, porém, há outro retrato na beira do rio. As quatro grandes baladas deram lugar a quiosques de artesanato, bares de frutos do mar e feirinhas gastronômicas. As pessoas vão ao Jacaré para o famoso pôr do sol ao som do saxofone de Jurandy, não mais para dançar até de madrugada. Os turistas chegam em passeios de catamarã, tirando fotos e comprando lembranças, completamente alheios ao festejo rebelde de antes. A ginga das pulseiras de forró e o som das guitarras foram substituídos pelo murmúrio do público em mesas de bambu e pelo vai-e-vem dos barcos sobre o luar. Guardamos a saudade das madrugadas sem fim, da areia úmida sob os pés e dos abraços que selavam cada despedida. Sabemos que a Jacaré de hoje é outra, e que cada geração vive sua própria viagem. Mas algo daquele tempo permanece imutável dentro de nós: a certeza de ter feito parte de algo único, uma história secreta gravada na memória. E é com esse sabor agridoce na alma – meio salgado como a brisa do mar, meio doce como a última música da noite – que seguimos adiante, orgulhosos das noites lendárias que um dia foram nossas. João Pessoa, 12 de maio de 2025 (Imagem: Freepik)
O campinho dos Expedicionários
Se alguém me pedisse para resumir a minha infância em uma palavra, eu diria: “mistura”. Porque não há nada que represente mais aqueles anos dourados da década de 80 e 90, no Bairro dos Expedicionários, em João Pessoa, do que a fusão de vidas, histórias e perspectivas que se encontravam ali, no campinho de areia, onde o futebol não era apenas um jogo, mas a arte de viver. Era um campo sem cercado, sem banco de reserva e sem glamour. Era, essencialmente, a quintessência da rua, do improviso. O cheiro da terra misturado ao suor, o som das peladas ecoando por todo o bairro, a bola suja rolando como se o próprio destino jogasse entre nós, crianças e jovens. O futebol, porém, não era só futebol ali, era o palco onde as distâncias sociais se diluíam. Quem ia ao campinho encontrava uma verdadeira Torre de Babel de vidas. Havia os meninos de 8, 9, 10 anos, ainda com os cabelos curtos e rostos inocentes, e havia também os garotos mais velhos, de 16 a 19 anos, com a idade de quem já experimentava os primeiros rastros da juventude: os sonhos, as brigas, as paixões e, às vezes, os pesadelos. Alguns com tênis surrados e outros com os melhores modelos que a vida lhes podia dar, mas a grande maioria descalço — filhos de delegados, professores universitários, advogados, empresários; enquanto ao lado, os filhos de operários, vendedores, os meninos de pais mais humildes, sem tanto luxo, mas com uma força de vontade inabalável. E ali, naquele pequeno pedaço de terra batida, ninguém se importava com o sobrenome ou o endereço. A bola era a única coisa que falava mais alto. Em um momento, você estava driblando o “filhinho de papai”, e no outro, se defendendo de um chute forte de um “moleque da rua”. Não importava a origem ou o status, a paixão pelo futebol era a mesma. O campinho era uma escola viva de empatia e resiliência. E era nele também que as diferenças sociais se tornavam quase invisíveis. Mesmo com a separação que o mundo real tentava criar entre as classes, ali, no meio da poeira e das risadas, tudo se diluía. Claro, tudo ali também tinha sua dose de dureza. A infância não era exatamente “protegida” como as de hoje. Lembro que os amigos de infância não eram raros a atravessar a linha tênue entre o legal e o ilegal. O campinho não era só palco de futebol, mas também de cenas que os meninos de 10 anos não deveriam ver: amigos assassinados, outros que sumiam sem explicação, uns levados pela polícia, outros pela droga, e muitos que nunca mais apareceriam, já no final da adolescência, perdidos para as sombras do crime. Era a vida sendo forjada entre quedas e novas chances. E nós, com nossas energias e sonhos inocentes, nos acostumávamos com essa realidade bruta, quase sem saber o quanto nos preparava para um futuro imune ao medo, ou ao menos mais forte do que as gerações posteriores poderiam imaginar. Entre os momentos de futebol, de arriscar um gol, de ganhar e perder, havia também a busca por algo mais simples: a água da torneira enferrujada dentro da casa abandonada em frente ao campinho, ou as frutas das árvores que nos faziam sentir como pequenos ladrões em busca de doçura. Carambolas, mangas, pitombas, goiabas, jambo, saputi e araçá, frutas que nos alimentavam não apenas o corpo, mas a alma. Quem passasse por ali jamais poderia imaginar que, por trás daquelas risadas, existiam muitas lições de sobrevivência. E a morte, tão presente naquele tempo, nos ensinava a encarar a vida de outra forma. Não éramos preparados para nada, mas aprendíamos a sobreviver de uma maneira que os tempos modernos, com suas redes sociais e medos inventados, talvez não permitam mais. Hoje em dia, o que vejo é uma sociedade que tenta proteger demais seus filhos, mas que ao mesmo tempo, perdeu o sentido de que a vida, por mais dura que seja, também é feita de tropeços, de amizades improváveis e de momentos simples que valem mais do que qualquer escudo. E, sim, aquele campinho de areia foi um grande laboratório da vida, onde nos misturamos sem medo, sem distinções, onde vimos de tudo um pouco, e até o mais distante dos mundos se encontrava. Não havia a rigidez de hoje, onde a vida parece muito mais controlada, monitorada e pré-determinada. Naquele pedaço de terra batida, éramos todos iguais. Éramos só crianças e jovens em busca de uma felicidade, muitas vezes fugaz, mas intensamente verdadeira. A mistura de gerações, de classes, de esperanças e de frustrações, fez de nós o que somos hoje: gente que, na falta de um escudo protetor, encontrou na resiliência, na união e na paixão pelo jogo o maior de todos os aprendizados. E assim, enquanto a bola rolava e as tardes se esticavam para a noite, nos tornávamos mais do que jogadores. Tornávamo-nos, sem saber, parte de um grande time chamado “vida”. (Image by Sasin Tipchai from Pixabay)