A natureza está cobrando sua conta

O IPCC (Painel Intergovernamental Sobre as Mudanças Climáticas) tem demonstrado em seus últimos relatórios que as mudanças climáticas são uma realidade. Há cerca de uma década, muitos céticos se levantavam tentando contrapor esta tese. Hoje, o aumento da intensidade e frequência dos eventos extremos demonstram que esta realidade está cada vez mais próxima de nós. Desastres como o de Petrópolis (ano), Recife (ano), Rio Grande do Sul (em duas ocasiões), a seca na região amazônica, as queimadas no Pantanal, além de outros fenômenos no Brasil e no mundo, demonstram que essa hipótese é cada vez mais inquestionável. Diante desse quadro, o que nos resta? Quando abordamos a realidade do planejamento urbano e das mudanças climáticas, passamos a lidar com uma questão muito complexa e delicada, tanto do ponto de vista da gestão como do ponto de vista científico. Inicialmente, podemos dizer que ela é difícil do ponto de vista da gestão, pois muitos governantes ainda não estão prontos para lidar com essa questão. A visão retrógrada e especulativa, muito atrapalha as iniciativas que visam equilibrar as ações de “desenvolvimento” e “progresso”, e de desenvolvimento sustentável. Tratar de desenvolvimento sustentável em meio a esse contexto também se torna um desafio, uma vez que, na imensa maioria dos casos, ainda não se consegue pôr em prática esse conceito até então “erudito”. Em tempos de emergência climática e ambiental, o progresso ainda tem se demonstrando completamente oposto do desenvolvimento sustentável. O modelo de cidades que ainda se desenvolvem na maior parte dos países do mundo, e diga-se, numa maioria esmagadora, ainda é incompatível com a resiliência a adaptabilidade que se espera dos grandes centros urbanos em tempos de mudanças climáticas. Nesse ínterim, os desastres, que não são naturais, se tornam cada vez mais frequentes e onerosos. Neste bojo, cabe uma reflexão: oneroso para quem? Para os poderosos ou para a população? Aqui, portanto, se revela uma cruel face da desigualdade social e das disparidades socioespaciais e ambientais. As cidades, sobretudo nos países ditos subdesenvolvidos, tornam-se cada vez mais caóticas e díspares em seus privilégios e oportunidades. Diante desse quadro, cabe uma reflexão: é possível ainda soluções para este quadro? Há, mas requer uma ação urgente e uma rápida virada de jogo. Se parássemos com as ações de degradação hoje, ainda levariam muitas décadas, ou talvez até séculos, para que muitos sistemas se reestabelecessem. E o que seria o reestabelecimento dos sistemas terrestres? Seria, se não o seu retorno ao estado de equilíbrio, um cenário onde uma dada cadeia de eventos se tornasse mais previsíveis e, portanto, fáceis de gerir. A partir do momento em que atuamos nessa cadeia de eventos, modificando sua dinâmica a partir de novos fluxos de matéria e energia, estabelecemos novos padrões e ritmos de funcionamento, que culminam em eventos catastróficos. Trocando em miúdos, é aquela velha máxima que diz: a natureza está cobrando sua conta!

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