Expansão acelerada desafia equilíbrio do SUS, muda hábitos da população e levanta questões éticas
O avanço silencioso das clínicas populares na Grande João Pessoa tem remodelado o mapa da saúde pública paraibana. Em bairros como Mangabeira, Cristo, Geisel, Valentina e Bessa, o número desses estabelecimentos mais que dobrou nos últimos dois anos.
Segundo levantamento da redação do Click100, há mais de 40 clínicas populares em funcionamento na capital, oferecendo consultas entre R$ 60 e R$ 120 e exames acessíveis para quem não consegue esperar pelo atendimento público.
Policlínicas lideram a expansão, ocupando espaços estratégicos em regiões com alta demanda e infraestrutura pública debilitada.
A ascensão dessas clínicas aponta para uma mudança silenciosa no comportamento da população: cada vez mais pessoas buscam atendimento rápido e direto, especialmente diante de um problema crônico — o tempo de espera por uma consulta no SUS.
E é justamente aí que o alerta se acende. O SUS é essencial e cumpre um papel insubstituível na garantia do acesso universal à saúde, mas enfrenta falhas graves. A demora na marcação de exames, escassez de especialistas e filas longas têm afastado usuários, mesmo reconhecendo a importância e os avanços do sistema. Corrigir esses gargalos — sem perder o que já funciona bem — é urgente.
Uma moradora do bairro Jardim Veneza, que preferiu manter anonimato, conta que o irmão recebeu a visita de um profissional de saúde do Postinho local e que um exame foi solicitado e realizado, porém, o resultado só saiu seis meses após a morte dele que era diabético.
Depoimentos ouvidos pela reportagem mostram como o tempo e o desconforto se tornaram moeda de troca: “Esperamos meses pelo resultado. Demorou tanto que ele chegou a ser internado num hospital, onde pernaneceu cerca de um mês até falecer. O problema existe e é grave. As visitas de profissionais da saúde existem, os exames existem, mas o tempo de espera por visitas domicialres, por consultas e, principalmente, por resultados de exames comprometem o resultado final que é o de assistir a população mais carente com perfeição. E isso não é um fato isolado. A pronva ‘tá aí’ [sic]… um monte de policlínica instalada na cidade. Lá a gente precisa chegar muito cedo, porque vem até gente de outra cidade. A gente paga em dinheiro, mas não sai sem atendimento no mesmo dia“, frisou a moradora.
Carlos Lima, do bairro das Indústiras, relatou caso similar. “Eu teria que esperar dias e dias por uma consulta no posto. Paguei R$ 60 e fui atendido no mesmo dia. Quando chegou a data em que ainda iria ser atendido eu já estava quase bom e com uma melhora que seria impossível se eu tivesse esperado pela consulta no postinho. Na policlínica eu paguei. Mas, nem levou minha aposentadoria toda e nem eu tive que esperar sofrendo… cheio de dor… pra ficar bom”, relatou o cidadão.
Embora tragam alívio imediato, as clínicas populares muitas vezes operam sem articulação com a rede pública, o que compromete o acompanhamento contínuo e a prevenção — pilares fundamentais do SUS. Uma moradora de João Pessoa, que não quis se identificar, relatou que, apesar da facilidade de acesso a essas policlínicas, exatamente por serem pagas, já aconteceu dela ter que refazer um mesmo exame de sangue três vezes seguidas porque o transporte para a unidade de análise apresentou problemas reiterados.
“Acontece que, para contornar a espera do SUS a gente se submete a diversas policlínicas populares e vai adivinhando qual é a melhorzinha. Como enfrentei esse problema de ter que ‘tirar sangue’ [sic] três vezes seguidas para receber o resultado na policlínica onde fui, quando um médico desse mesmo local me pede um exame, não faço mais lá. Eu procuro um laboratório externo pra fazer. Vejo qual é o mais em conta e sigo pra lá. Tem funcionado assim. Ando um pouco mais, mas consigo resolver em um tempo muito menor do que seria no postinho do SUS“, afirmou.
Boa parte dessas clínicas se concentra em áreas onde o SUS já enfrenta desafios estruturais. Em muitos casos, funcionam como única alternativa viável para quem não pode esperar semanas por uma consulta simples.
Alguns médicos ouvidos pela Redação Click100 reconhecem que há bons atendimentos nas clínicas populares, porém, revelararm que, por vezes, já aconteceu deles mesmos terem que levar materiais próprios para fazer um atendimento melhor nos pacientes que chegam e que, por essas e outras, defendem maior integração com a rede pública e políticas que evitem a sobreposição de papéis sem responsabilidade coletiva.
Enquanto a rede privada informal continua sua expansão, o poder público precisa fortalecer o SUS, investir em tecnologia, ampliar a oferta de profissionais e priorizar quem depende exclusivamente do sistema gratuito.
(Fonte: redação Click100 / Imagem: Freepik)