Outro dia, parado numa sala de espera, observei uma senhora ninando um bebê com toda a doçura que só o amor maternal proporciona. A princípio, me comovi. Depois, com um leve balançar do plástico refletindo a luz fluorescente, percebi: não era um bebê. Era um “reborn” — um boneco hiper-realista que emula com perfeição a fragilidade de um recém-nascido. Fraldas, mamadeira, manta bordada com o nome fictício da criança. E, pasmem, a senhora esperava uma consulta médica para ele. Sim, médica. Para o boneco.

Antes que se ria com deboche, é preciso respirar fundo e olhar ao redor. Porque essa senhora não está só.

Os humanos estão cada vez mais humanos apenas na aparência. Do lado de dentro, têm se esvaziado de vínculos reais, de convivência, de atrito — de tudo aquilo que torna o ser humano suportável e, paradoxalmente, insuportável. E nesse vácuo, vai se instalando o conforto silencioso dos pets e bonecos. São seres — ou objetos — que não discordam, não julgam, não gritam, não abandonam. São companhia que não confronta. Amor sem espelhos.

Os pets, esses já dominam os espaços há mais tempo. Hoje, muitos dividem não só o sofá, mas o travesseiro. Entraram na cama do casal como quem não quer nada, e agora roncam entre dois humanos afastados por uma muralha de pelos e silêncio. Muitos casais já dialogam mais com seus cachorros do que entre si. “Amor, ele já comeu? Será que ele tá com frio?” — enquanto a relação esfria como um resto de café esquecido.

E os filhos reais? Aqueles de carne, osso e boletins escolares? Muitas vezes ficam relegados ao segundo plano enquanto o pet tem plano de saúde, acupuntura, dieta sem glúten. O cachorro late, e a mãe corre. O filho chora, e a mãe pede silêncio. A prioridade emocional migrou. A fragilidade transferiu-se de lugar. O que é mais fácil de cuidar passou a valer mais.

Há uma fuga declarada de tudo que pode causar conflito. Melhor um cachorro no colo do que uma conversa franca com um filho. Melhor um gato no peito do que a tentativa frustrante de um novo relacionamento. Melhor um reborn de plástico do que um neto real que pode crescer, errar, falar palavrão, virar adolescente.

Assusta menos. Dói menos. Mas também vive menos.

Temos preferido substituir a convivência com seus impasses por bonecos que não têm vontades, opiniões, crises existenciais ou birras. A vida foi perdendo gente e ganhando simulacros. É uma espécie de apagão emocional voluntário — uma renúncia à dor que também nos impede de sentir o prazer autêntico da conexão com o outro.

Até quando? Não sei. Mas o dia em que alguém conseguir mesmo declarar um reborn no imposto de renda como dependente, talvez alguém também devesse declarar a própria dependência de uma solidão disfarçada de afeto.

A humanidade está se protegendo do humano como se fosse um vírus. E, no fim das contas, quem sobra somos nós — cada vez mais cercados de presenças que não respiram, não discordam, não abraçam de verdade. Apenas simulam. E a simulação tem sido suficiente, triste e convenientemente.

Até que o coração — de carne — comece a cobrar a conta.

João Pessoa, 15 de maio de 2025

(Imagem de freepic.diller no Freepik)

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