Quatro egressas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP relatam os desafios de seguir a carreira musical; pesquisadoras buscam referências femininas entre compositoras, arranjadoras e intérpretes.
“Não, no período renascentista não tem mulher compositora”, foi o que Maria Rúbia Andreta, graduada em Música com habilitação em Regência e Voz pela Universidade de Campinas (Unicamp) e mestra em Música pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ouviu de um professor ao questioná-lo sobre mulheres compositoras no Renascentismo.
A curiosidade da musicista sobre o assunto surgiu após assistir a uma defesa de mestrado sobre a cantora e compositora barroca Barbara Strozzi. Maria, envolvida com música desde os seis anos de idade, se surpreendeu por não conhecer a história da compositora e, apesar da resposta de seu professor, não desistiu de saber mais sobre a existência de outras mulheres da área naquele período.
Ela começou a pesquisar e descobriu Maddalena Casulana, a primeira mulher a ter suas obras musicais publicadas ainda em vida, justamente no período Renascentista, no século 16. Essa história acabou se tornando o tema de sua iniciação científica. “Existe esse apagamento, que impacta na percepção das mulheres sobre as próprias possibilidades”, conta a pesquisadora, reforçando a importância de resgatar a memória dessas artistas pioneiras.
Em seu mestrado, a musicista não se afastou do recorte de gênero, mas voltou seus estudos para os coros. Foi então que surgiu a pesquisa Onde estão as mulheres no canto coral?, que buscou investigar a falta de compositoras e arranjadoras no repertório apresentado por coros profissionais.
Compositoras, arranjadoras e intérpretes
Em geral, corais apresentam um equilíbrio de gênero, principalmente, pela necessidade de naipes vocais variados, dos mais agudos aos mais graves. Ao se tratar de repertório, entretanto, as compositoras e arranjadoras não estão presentes de maneira tão igualitária.
Durante seu mestrado, Maria Rúbia analisou os repertórios do Coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Coral Paulistano, Coro Lírico Municipal de São Paulo, Coral Lírico de Minas Gerais e do Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Segundo a pesquisa que realizou, apenas 1,7% do repertório apresentado por esses coros, entre 2015 e 2021, foi composto ou arranjado por mulheres. O caso do Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro chama mais atenção: nenhuma das obras apresentadas pelo coro no período eram de autoria feminina.
“As mulheres atuam no canto coral, mas em quais espaços? Quais são os espaços permitidos para elas?”Maria Rúbia Andreta, mestre em Música pela ECA
Ela relembra que, enquanto estava desenvolvendo o trabalho, houve apresentações especiais durante o mês de março, o mês da mulher, que incluíam peças escritas por compositoras. No entanto, a iniciativa não se estendeu para o repertório dos grupos corais em outras épocas do ano.
Para a pesquisadora, o aumento da presença das mulheres em cargos decisórios nesses locais pode ser um passo na direção da inclusão de obras de autoria feminina nas apresentações dos corais. Ela cita o exemplo de Maíra Ferreira, atual regente do Coral Paulistano, que se preocupa em sempre incluir composições de mulheres como parte do repertório. “Ocupar esses espaços acaba abrindo espaço para outras mulheres chegarem”, explica Maria.
O exemplo de Carolina Andrade Oliveira, que atua como regente coral e como arranjadora, é importante para tornar o cenário da música mais inclusivo e possível para mulheres.
Carolina faz pós-doutorado em Música na ECA e, em sua pesquisa, se dedica ao estudo de arranjos vocais. A pós-doutoranda defende que os arranjos devem estar mais presentes, não só na academia, mas também nas escolas e em todos os ambientes musicais. “O arranjo é uma criação, um modo de expressão tão válido quanto qualquer outro”, diz a pesquisadora.
Carolina relata que, apesar de existirem excelentes arranjadoras, é comum encontrar trabalhos que referenciam apenas os arranjadores homens. “São de fato menos mulheres que atuam nessa área ou elas só não são vistas performadas ou citadas?”, questiona.
A musicista, que também é licenciada, mestra e doutora pela ECA, faz parte do duo Volver a Latinoamérica, juntamente com a cantora Giulia Faria. Inspirado por duas cantoras latinas Mercedes Sosa e Violeta Parra, o duo também é fortemente influenciado pela poeta e musicista María Elena Walsh. A violonista conta que a proposta da dupla é revisitar essas mulheres relevantes e especiais para a história da música latino-americana.
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