Planejamento urbano deficiente é o verdadeiro vilão por trás de tragédias climática
Vez por outra, lemos na imprensa que uma chuva de mais de 200 mm, uma nevasca mais forte dos últimos dez anos, ou até mesmo um grande furacão nunca observado, foi o responsável pelo maior desastre registrado nos últimos séculos.
Não é exagero. É dessa maneira que os últimos desastres registrados na história humana são divulgados. E aqui, não quero atribuir a culpa à imprensa. Na realidade, a ausência de uma cultura de risco é resultado de uma compreensão histórica deficiente do risco.
Para aprofundar o assunto, quando se trata de risco, é crucial destacar o sentido desta palavra. Risco é a possibilidade de um desastre ocorrer quando existe um grupo de pessoas, independentemente do seu tamanho. Sem dúvida, quanto maior for a cidade e, consequentemente, a quantidade de pessoas, maior a chance de um desastre ocorrer, mesmo que exista uma infraestrutura adequada e resiliência.
Nesse contexto, outra palavra surge: resiliência, intimamente associada a outro conceito crucial, a vulnerabilidade. Os dois conceitos estão intrinsecamente ligados, já que a habilidade de reagir a um desastre está diretamente relacionada à vulnerabilidade.
E o que é vulnerabilidade? Vulnerabilidade, em termos compreensíveis ao público, refere-se à habilidade que uma comunidade possui para lidar com um evento desfavorável (o desastre), abrangendo tanto a prevenção quanto a reação e o atendimento após a ocorrência do desastre.
E por falar em prevenção, é algo de que carecemos bastante, especialmente no Brasil e em outros países emergentes e de renda baixa. Por outro lado, os países “desenvolvidos” não fogem a essa regra, mas apresentam uma capacidade superior na tríade anteriormente mencionada: prevenção, enfrentamento e reação. Por terem uma infraestrutura mais robusta, construída ao longo dos séculos, esses países acabam possuindo uma estrutura adequada para lidar com desastres.
Por isso, quero voltar a falar sobre o título deste texto, que é “desnaturalização do desastre”. Consoante expus anteriormente, nenhum sinistro se apresenta na ausência de populações. Isto é, a maioria desses acontecimentos não se origina apenas de fenômenos naturais, como furacões, terremotos, chuvas torrenciais, entre outros. Muitos são consequência da infraestrutura urbana instáveis e vulneráveis. É possível mencionar como ilustração o colapso de usinas nucleares, explosões provenientes de diversas fontes, desabamento de barragens, queda de pontes, entre outras circunstâncias.
No entanto, quando se trata de fenômenos naturais, nenhum deles poderia causar danos se não fosse a infraestrutura das cidades. Nenhum furacão causa prejuízos, se em seu caminho não houver uma cidade, assim como os terremotos e os demais fenômenos.
Diante disso, é possível perguntar se não temos o direito de habitar o planeta. Sim, é necessário ocupar, mas com planejamento. Planejar implica em prevenir. É isso, antes de tudo, significa respeitar a natureza e seus processos. Em outras palavras, dançar conforme a música! E dançar conforme a melodia significa entender a natureza para agir sobre ela.
Uma das principais iniciativas nesse sentido é conhecida como Soluções Baseadas na Natureza, ou SBNs. Numerosos especialistas têm estudado essas soluções, e até que me provem o contrário, elas representam a resposta para um mundo cada vez mais afetado pelas alterações climáticas globais.
Assim sendo, desde este momento, ao responsabilizarem a chuva, recordem-se de que, antes de ela provocar a inundação de uma grande metrópole, houve um governante que não organizou adequadamente seu território e desconsiderou os aspectos naturais.
(Imagem de capa: Freepik)
Saulo Vital (Geógrafo e professor universitário)
09 de setembro de 2025