Família Gil aponta crime e mantém possibilidade de ação judicial contra padre da Paraíba
Após declarações ofensivas feitas por um sacerdote da Paraíba contra a memória de Preta Gil e religiões de matriz africana, Gilberto e Flora Gil enviaram uma notificação extrajudicial à Diocese de Campina Grande e ao padre Danilo César. O documento exige retratação pública e alerta: a família não renuncia ao direito de acionar a Justiça, tanto na esfera cível quanto criminal.
A repercussão da homilia proferida pelo padre Danilo César, da Paróquia de São José, em Areial (PB), segue provocando desdobramentos jurídicos e sociais. Após o sermão transmitido ao vivo no último dia 27 de julho, no qual o sacerdote ironizou a fé da família Gil e associou religiões afro-brasileiras a “forças ocultas”, os advogados de Gilberto e Flora Gil enviaram uma notificação extrajudicial exigindo retratação pública.
No documento, o casal afirma que o padre zombou da fé da família ao questionar, em tom de escárnio: “Cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil? Já enterraram?”. A fala, considerada ofensiva à memória da artista e à espiritualidade afro-brasileira, foi feita durante missa transmitida ao vivo pelo YouTube, ampliando sua repercussão.
A notificação destaca que, ao debochar da fé atribuída à cantora Preta Gil e ao seu pai, Gilberto Gil, o sacerdote cometeu crime de intolerância religiosa, previsto no Código Penal com pena de dois a cinco anos de reclusão. O texto ressalta que a infração é agravada por ter sido praticada publicamente, no exercício do sacerdócio e com grande repercussão.
Além disso, os advogados apontam “enorme desrespeito” ao luto vivido pela família e à honra da artista falecida, mencionando o “potencial de eternização” do conteúdo ofensivo e seu impacto direto sobre comunidades religiosas de matriz africana. A notificação exige que a retratação seja feita pelo mesmo canal — ou seja, durante missa transmitida ao vivo — e solicita à Diocese que informe, por escrito, quais providências foram tomadas. O prazo estipulado foi de dez dias úteis, já expirado, sem qualquer manifestação pública ou contato com os familiares.
O documento encerra com um aviso claro: “Ressaltamos nossa confiança na atuação ética desta Diocese e acolhimento deste requerimento de adoção de providências e de retratação pública. Por oportuno, declaramos que a presente notificação não representa renúncia às medidas judiciais cabíveis, de ordem cível ou criminal, relativas ao fato”.
Dois boletins de ocorrência foram registrados — um em Puxinanã e outro em Campina Grande — e serão encaminhados para apuração conjunta, segundo a Polícia Civil. Os delegados Danilo Orengo e Socorro Silva confirmaram que o padre será ouvido no inquérito que investiga o caso.
A Diocese de Campina Grande divulgou nota oficial assinada por Dom Dulcênio Fontes de Matos, afirmando que o sacerdote prestará esclarecimentos por meio de sua assessoria jurídica. O texto reforça o compromisso da Igreja com a liberdade religiosa e a dignidade humana, mas não menciona qualquer retratação ou contato com os familiares.
A Defensoria Pública da Paraíba, por meio do Núcleo de Direitos Humanos, também se posicionou com veemência. Em nota de repúdio, o defensor público Marcel Joffily de Souza classificou as declarações como discriminatórias e contrárias aos princípios constitucionais e cristãos. “As falas reforçam estigmas, alimentam a intolerância e afrontam valores essenciais à convivência democrática”, afirma o documento.
Nas redes sociais, a reação foi imediata. A chef e apresentadora Bela Gil, irmã de Preta Gil, criticou o episódio: “É cada absurdo que a gente precisa ouvir… seu padre desrespeitoso.” O historiador Leandro Karnal também se manifestou, questionando a lógica do sermão e apontando contradições teológicas: “Quantos católicos ressuscitaram? Quantos papas saíram saltitando pela praça de São Pedro?”
O caso reacende o debate sobre intolerância religiosa, liberdade de expressão e os limites éticos da atuação pastoral em ambientes públicos. Com o silêncio da Diocese e do sacerdote após toda a repercussão, cresce a pressão institucional — e a possibilidade concreta de judicialização.
(Fonte: redação Click100 com notificação extrajudicial da família Gil, Polícia Civil da Paraíba, Diocese de Campina Grande, Defensoria Pública da Paraíba / Imagem: reprodução redes sociais Gilberto Gil)