Nos anos 90 e início dos 2000, a Praia do Jacaré não era apenas palco do mais famoso pôr do sol da Paraíba – era o refúgio secreto da juventude. A partir de quinta-feira à noite, a vila ribeirinha se transformava num roteiro mágico. O calor do fim de tarde dava lugar a uma brisa salgada e misteriosa, anunciando uma sequência de festas que marcariam gerações. Cada dia tinha nome, clima e música próprios; juntos, formavam um calendário afetivo que só fazia sentido completo na memória de quem viveu aquela época.

Às quintas-feiras, entrávamos na atmosfera do Caleidoscópio. Partíamos de João Pessoa ao anoitecer, cruzando uma estrada de barro estreita onde nada se via além dos faróis. Com cada quilômetro, crescia a sensação de estarmos a caminho de algo proibido: o píer de madeira ficava longe, quase secreto, tornando tudo ainda mais emocionante. Ao chegar ao nosso “ponto de encontro”, éramos recebidos por lanternas tremeluzindo entre coqueiros e pelo grave profundo de um som de alta qualidade. O Caleidoscópio era um esconderijo adulto: luzes coloridas dançavam na noite enquanto batidas eletrônicas invadiam a mata, fazendo-nos acreditar que havíamos entrado noutro universo.

Quando a sexta-feira chegava, trocávamos o clima de segredo pelo ar festivo da Aldeia do Rio. Esse píer, mais próximo e iluminado pelo luar, era amplo o suficiente para reunir tribos diferentes e várias gerações. Lá, patricinhas desfilavam com saltos altos, outras tribos eram mais pé no chão com suas sandálias havaianas, roqueiros pulavam de calça jeans rasgada, nós que éramos mais praianos de bermuda e tênis, e até turistas de férias descobriam aquela festa antes mesmo das hashtags existirem. A trilha sonora abria com bandas de pop e rock no começo da noite, e depois DJs locais mantinham a animação; tudo isso sob o céu aberto, com o luar refletido no rio. A Aldeia do Rio encarnava o espírito do “sextou” muito antes da palavra existir – uma euforia coletiva em que cada brinde anunciava a glória do fim de semana.

No sábado, o Solar das Águas abria suas portas cedo, já ao entardecer, no primeiro píer de fácil acesso. Ali, o som era de pagode, samba e forró, tocando sem interrupção sob o próprio céu. Não havia paredes, apenas o firme brilho das estrelas para nos cobrir enquanto a brisa do mangue refrescava nossos corpos. Jovens de camisas floridas rodopiavam na pista improvisada, carregando copos de cerveja gelada, caipirinhas, uisque e a tradicional cachaça bebida em viradas de copo americano dividido entre amigos. O Solar das Águas tinha o calor de uma grande roda de amigos: reunia a juventude dourada de João Pessoa e os turistas curiosos, compartilhando sorrisos sob o luar até altas horas.

Mas o ápice do fim de semana sempre acontecia no domingo, com o lendário Rock no Rio. Durante o dia, a praia fervilhava de jovens nos lendários bares Peixe elétrico, pote de barro, convívio mar num ritual sagrado do domingo na capital paraibana daquela época, á espera que viria à noite. Da praia partíamos para a casa de um amigo (sempre havia uma casa disponível) para dar o pontapé inicial daquela que era a melhor e mais esperada balada da semana toda. Entre risos e planos para a semana que viria, sabíamos que aquele era nosso ritual de despedida do fim de semana. Quando o sol começava a cair, partíamos em massa para o píer do Rock. No cais de madeira, a cena era de cinema: a juventude mais bonita e livre da capital, de mãos dadas com turistas de outros cantos. As bandas locais – Os Impossíveis, Área 51, Hangar 18 e várias outras – assumiam o palco com riffs rasgados e letras sobre estrada, amor e rebeldia. Cantávamos juntos, sentindo uma onda de liberdade coletiva, como se fôssemos donos do mundo, antes mesmo de o resto do planeta notar que Jacaré tinha seu próprio som.

Hoje, porém, há outro retrato na beira do rio. As quatro grandes baladas deram lugar a quiosques de artesanato, bares de frutos do mar e feirinhas gastronômicas. As pessoas vão ao Jacaré para o famoso pôr do sol ao som do saxofone de Jurandy, não mais para dançar até de madrugada. Os turistas chegam em passeios de catamarã, tirando fotos e comprando lembranças, completamente alheios ao festejo rebelde de antes. A ginga das pulseiras de forró e o som das guitarras foram substituídos pelo murmúrio do público em mesas de bambu e pelo vai-e-vem dos barcos sobre o luar.

Guardamos a saudade das madrugadas sem fim, da areia úmida sob os pés e dos abraços que selavam cada despedida. Sabemos que a Jacaré de hoje é outra, e que cada geração vive sua própria viagem. Mas algo daquele tempo permanece imutável dentro de nós: a certeza de ter feito parte de algo único, uma história secreta gravada na memória. E é com esse sabor agridoce na alma – meio salgado como a brisa do mar, meio doce como a última música da noite – que seguimos adiante, orgulhosos das noites lendárias que um dia foram nossas.

João Pessoa, 12 de maio de 2025

(Imagem: Freepik)

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